domingo, 27 de julho de 2014

Escapismo mútuo.

Ela beatnik, ele Jorge Amado. Seu cabelo cor-de-rosa despista a idade que tem.
Ela beatnik, ele chora de amor. Se encontram na melancolia de um bar qualquer, afogam as mágoas, oferecem uma pro santo. Ela espera o taxi, ele espera dias melhores.
Eles dividem a mesma geração, dividem um maço de cigarros. Mas nunca dividem seus problemas. A vida é muito curta e muito louca, optam por assuntos mundanos, mas nunca dividem a mesma opinião. Eles dividem a conta.
Ela beatnik, ele Jorge Amado. Seus óculos tartaruga o fazem parecer mais velho.
Ela pede whisky, ele, atenção. Seu mundo anda pesado de mais pra se carregar sozinho. Ele precisa dividir, ela precisa de uma aspirina. Ele entende o recado. Eles dividem um taxi.
Ela quer espaço. Ele quer algo a mais. Dividem um último cigarro. Nunca dividirão a cama.

domingo, 20 de julho de 2014

Deadline.

E eu que tapei, que ignorei cada luto com distrações diversas, hoje choro por todos eles. Cada frustração adiada desabou no que parece ser o prazo final. Hoje choro cada perda, como se todos juntos entoassem em coro o seu último adeus.

sábado, 17 de maio de 2014

Para uma velha amiga.

Estamos em maio. E nesse ano eu já fui Regan MacNeil, Piper Chapman, já fui Jack Nicholson e Winona Ryder. Tive tanta saudade de ser Mariana, que precisei gritar e gritar, até conseguir me chamar de volta. Até que eu me ouvi. E eu tinha tanta coisa pra contar, que não dei conta de, sozinha, me dedicar toda a atenção que precisei.
Algo óbvio, que esclareci a mim mesma: Eu não estava sozinha. Ou melhor, nunca precisei estar.

Nós construímos nossa própria realidade nos baseando no que parece mais cômodo acreditar. Assim alimentamos nossas metas, nossos sonhos, nossa auto-estima, nossos medos, nossas crenças, nossas torturas. Estamos em maio, e nesse ano me pareceu mais cômodo fantasiar quem eu sou.

Estamos apenas em maio, e já aprendi tanto comigo mesma! Ainda há muito o que aprender. Descobri que tenho vários talentos e muita vontade de olhar com carinho para cada um deles.
Descobri que tenho um namorado maravilhoso, e amigos que sentiram saudades da Mariana tanto quanto eu. Dia após dia eles me lembram quem eu sou.
Descobri também que apesar da minha família já não ser mais volumosa e barulhenta como antes, ela ainda está tão próxima e tão cheia de amor, como nunca deixou de ser. E eu os amo, como nunca deixei de amar. Mas a Mariana não ama com saudade, e sim com gratidão, pois numa família tão especial como essa, a distância é um simples detalhe geográfico.

Quantas saudades eu senti nesse ano... mas ainda estamos em maio! Temos o resto do ano pra curtir nossa companhia, eu e a Mariana. Tornaremos inesquecível o ano em que eu fiz as pazes com a minha melhor amiga.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quando choveu.

As palhetas de parabrisa trabalhavam pesado no trânsito da Avenida Paulista. Quem estava atrasado, se maquiava. Quem estava disposto a molhar o braço, fumava. E quem estava nervoso, xingava com os vidros fechados, xingava pra si mesmo.
Protegida na varandinha do casebre, Dona Antônia admirava chover bonito no laranjal. Sem pressa, delineou com o indicador a forma de uma nuvem. Sem reparar nos sapatos molhados, deixou que a água gostosa molhasse sua mão. E sempre com os olhos chovendo saudades, recitou cantigas da infância. Recitou pra si mesma.